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Dom Quixote, Alexa e o Chat GPT

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Dom Quixote, Alexa e o Chat GPT Empty Dom Quixote, Alexa e o Chat GPT

Mensagem por Jonas Paulo Negreiros 31st maio 2023, 11:33

O sonho por oráculos é coisa antiga.
Compartilho com vocês uma deliciosa passagem de Dom Quixote, a qual ilustra muito bem essa estranha obsessão humana.

Dom Quixote, Alexa e o Chat GPT Don-quixote-the-adventure-of-the-enchanted-head


Contou D. Quixote, por miúdo, todos os sucessos do governo de Sancho, com o que divertiu muito os ouvintes. Levantada a mesa e tomando D. Antônio a D. Quixote pela mão, entrou com ele num apartado aposento, onde não havia outro adorno senão uma mesa de um pé só, que parecia toda de jaspe, em cima da qual estava posta uma cabeça, que parecia de bronze, em busto, como as dos imperadores romanos. Passou D. Antônio com D. Quixote por todo o aposento, rodeando muitas vezes a mesa; e depois disse:

— Agora, senhor D. Quixote, que sei que ninguém nos escuta e que está fechada a porta, quero contar a Vossa Mercê uma das mais raras aventuras ou, para melhor dizer, das mais raras novidades que imaginar-se podem, com a condição de que Vossa Mercê há-de encerrar o que eu lhe disser nos mais recônditos recessos do segredo.

— Assim o juro — respondeu D. Quixote — e ponho-lhe uma pedra em cima, para mais segurança; porque quero que Vossa Mercê saiba, senhor D. Antônio, que está falando com quem, apesar de ter ouvidos para ouvir, não tem língua para falar: portanto, pode, com segurança, trasladar o que tem no seu peito para o meu e fazer de conta que o arrojou aos abismos do silêncio.

— Fiado nessa promessa — respondeu D. Antônio — quero que Vossa Mercê se admire do que vai ver e ouvir e que me dê a mim algum alívio da pena que me causa não ter a quem comunicar os meus segredos, que não se podem dizer a todos.

Estava suspenso D. Quixote, esperando em que iriam parar tantas prevenções. Nisto, D. Antônio, pegando-lhe na mão, passeou-a pela cabeça de bronze e por toda a mesa e pelo pé de jaspe que a sustinha, e disse:

— Esta cabeça, senhor D. Quixote, foi feita e fabricada por um dos maiores nigromantes e feiticeiros que teve o mundo, polaco de nação, parece-me, e discípulo do famoso Escotillo, de quem tantas aventuras se contam; esteve aqui em minha casa e, por mil escudos que lhe dei, lavrou esta cabeça, que tem a propriedade e a virtude de responder a quantas coisas se lhe perguntarem ao ouvido. Traçou rumos, pintou caracteres, observou astros, mirou pontos e, finalmente, completou-a com a perfeição que amanhã veremos, porque nas sextas-feiras está muda; e por isso, como hoje é sexta-feira, teremos de esperar até amanhã. Poderá Vossa Mercê prevenir-se com as perguntas que lhe quiser fazer, porque, por experiência, sei que responde a verdade.

Ficou admirado D. Quixote da virtude e da propriedade da cabeça, e esteve quase não acreditando em D. Antônio; mas, vendo o pouco tempo que faltava para se fazer a experiência, não lhe quis dizer senão que lhe agradecia o ter-lhe descoberto tamanho segredo. Saíram do aposento, fechou D. Antônio a porta à chave e foram para a sala onde estavam os outros cavalheiros, a quem Sancho contara, entretanto, muitos dos sucessos e aventuras que a seu amo tinham acontecido. Nessa tarde levaram a passear D. Quixote, não armado, mas vestido com um balandrau cor de pele de leão, que faria suar naquele tempo o próprio gelo. Ordenaram aos seus criados que entretivessem Sancho, de modo que o não deixassem sair de casa.

(...)

Ao outro dia entendeu D. Antônio que era tempo de fazer a experiência da cabeça encantada, e com D. Quixote, Sancho, e mais dois amigos, e as duas senhoras que tinham moído D. Quixote no baile e passado a noite com a mulher de D. Antônio, fechou-se no quarto onde estava a cabeça. Contou-lhes a propriedade que tinha, pediu-lhes segredo e disse-lhes que era esse o primeiro dia em que se havia de experimentar a virtude da tal cabeça encantada; e, a não serem os dois amigos de D. Antônio, mais nenhuma pessoa sabia o busílis do encantamento; e, ainda assim, se D. Antônio lho não tivesse descoberto primeiro, também eles cairiam no pasmo em que os outros caíram: nem outra coisa era possível — com tal arte e tão boa traça estava fabricada. O primeiro, que se chegou ao ouvido da cabeça, foi o mesmo D. Antônio, e disse-lhe em voz submissa, mas não tanto que o não entendessem todos:

— Dize-me, cabeça, pela virtude que em ti se encerra: em que penso agora?

E a cabeça respondeu-lhe, sem mover os lábios, com voz clara e distinta, de modo que foi por todos entendida, o seguinte:

— Não julgo de pensamentos.

Ouvindo isto, ficaram todos atônitos, vendo que não havia em todo o aposento pessoa humana que pudesse responder.

— Quantos estamos aqui? — tornou a perguntar D. Antônio.

Respondeu-lhe a cabeça, do mesmo teor, e baixinho:

— Estás tu e tua mulher, com dois amigos teus e duas amigas dela, e um famoso cavaleiro chamado D. Quixote de la Mancha, e um seu escudeiro que tem o nome de Sancho Pança.

Aqui foi o admirarem-se todos de novo; aqui o erriçarem-se os cabelos a todos os presentes, de puro espanto; e, afastando-se D. Antônio da cabeça, disse:

— Isto me basta para saber que não fui enganado pela pessoa que ma vendeu: cabeça sábia, cabeça faladora, cabeça respondona e admirável cabeça! Chegue-se outro e pergunte-lhe o que quiser.

E como as mulheres, de ordinário, são curiosas e amigas de saber, a primeira que se chegou foi uma das duas amigas da esposa de D. Antônio, e perguntou-lhe:

— Dize-me, cabeça: que hei-de fazer para ser formosa?

E respondeu-lhe a cabeça:

— Ser honesta.

— Não te pergunto mais nada — disse a perguntadora.

Chegou-se logo a companheira e prosseguiu:

— Dize-me, cabeça, se meu marido me quer bem ou não.

— Vê o que ele te faz — respondeu a cabeça — e logo o saberás.

Afastou-se a casada, dizendo:

— Para receber esta resposta, não valia a pena perguntar nada, porque, efetivamente, pelas obras se revela a vontade de quem as pratica.

Chegou em seguida um dos dois amigos de D. Antônio e perguntou-lhe:

— Quem sou eu?

— Tu bem o sabes.

— Não te pergunto isso — respondeu o cavalheiro — mas quero que me digas se me conheces.

— Conheço, sim, és D. Pedro Noriz.

— Não quero saber mais nada; já vejo, cabeça, que tudo sabes.

E, afastando-se, deu lugar ao outro amigo, que lhe perguntou:

— Dize-me, cabeça: que desejos tem o meu filho morgado?

Tornou ela:

— Não julgo de desejos; mas, com tudo isso, posso dizer que o que teu filho quer é enterrar-te.

— Isso — acudiu o cavaleiro — vejo com os meus olhos; e nada mais pergunto.

Chegou-se a mulher de D. Antônio e disse:

— Não sei, cabeça, o que te hei-de perguntar; mas só queria que me dissesses se gozarei muitos anos o meu bom marido.

— Gozarás, sim, porque a sua saúde e a sua temperança prometem largos anos de vida, que muitos costumam encurtar com os seus excessos.

Chegou-se em seguida D. Quixote e perguntou:

— Dize-me tu, ó ente que respondes: foi verdade, ou foi sonho, o que eu conto que passei na cova de Montesinos? Serão certos os açoites de Sancho, meu escudeiro? Terá efeito o desencantamento de Dulcinéia?

— Enquanto ao que se passou na cova — respondeu a cabeça — há muito que se lhe dizer: tem de tudo; os açoites de Sancho hão-de ir devagar, e o desencantamento de Dulcinéia chegará a devida execução.

— Não quero saber mais nada — tornou D. Quixote — e em eu vendo Dulcinéia desencantada, farei de conta que vêm de golpe todas as fortunas que posso desejar.

O último perguntador foi Sancho, que perguntou:

— Porventura, cabeça, apanharei outro governo? Sairei da estreiteza de escudeiro? Tornarei a ver minha mulher e meus filhos?

— Governarás na tua casa — disse a cabeça; se lá tornares, verás tua mulher e teus filhos e, deixando de servir, deixarás de ser escudeiro.

— Boa resposta! — disse Sancho — até aí chegava eu e não diria mais o profeta Perogullo.

— Que queres que te respondam? — disse D. Quixote — Não basta que as respostas que esta cabeça dá acertem com o que se lhe pergunta?

— Basta, sim — tornou Sancho — mas eu sempre queria que ela dissesse mais.

Com isto, acabaram as perguntas e as respostas, mas não acabou a admiração em que todos ficaram, exceto os dois amigos de D. Antônio, que sabiam do caso. Quis logo Cid Hamete Benengeli declará-lo, para não ficar suspenso o mundo, imaginando que se encerrava na tal cabeça algum mágico e extraordinário mistério; e assim, diz que D. Antônio Moreno, à imitação de outra cabeça que viu em Madrid, fabricada por um estampador, fez esta em sua casa, para se entreter e encher de pasmo os ignorantes; e a fábrica era assim: a mesa era de pau, pintada e envernizada, imitando jaspe, e o pé que a sustinha era de pau também, com quatro garras de águia, que dele saíam para maior firmeza do peso. A cabeça, que parecia medalhão de imperador romano e de bronze, estava toda oca, e oca era também a mesa, em que a cabeça se encaixava tão perfeitamente, que não aparecia nenhum sinal de pintura. O pé da mesa era oco igualmente, e correspondia à garganta e peito do busto, e tudo a outro aposento que estava por baixo desse quarto. Por toda esta cavidade do pé, mesa, garganta e peito do referido busto, corria um canudo de lata muito apertado, que por ninguém podia ser visto. No quarto inferior punha-se a pessoa que havia de responder, com a boca pegada ao canudo, de modo que a voz ia de cima para baixo e vice-versa, como se fosse por uma sarabatana, em palavras articuladas e claras, e deste modo não era possível conhecer o embuste. Um sobrinho de D. Antônio, estudante agudo e discreto, foi quem respondeu; e, tendo-lhe dito seu tio quem eram as pessoas que haviam de entrar no aposento da cabeça, foi-lhe fácil responder com rapidez e pontualidade à primeira pergunta; às outras respondeu por conjecturas, como discreto e discretamente. E diz mais Cid Hamete que dez ou doze dias durou esta maravilhosa máquina; mas que, divulgando-se na cidade que D. Antônio tinha em casa uma cabeça encantada, que respondia a tudo o que lhe perguntavam, D. Antônio, receando que chegasse isto aos ouvidos das vigilantes sentinelas da nossa fé, foi declarar o caso aos senhores inquisidores; mandaram-lhe eles que a desfizesse, e que não fosse mais adiante, para que o vulgo ignorante se não escandalizasse. Mas na opinião de D. Quixote e de Sancho Pança a cabeça continuou a ser tida por encantada e respondona, mais com satisfação de D. Quixote que de Sancho.

Fonte:
https://pt.wikisource.org/wiki/Dom_Quixote/II/LXII

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Mensagem por Gil 1st junho 2023, 12:46

O cano de lata que conduz a voz para o busto de bronze evoluiu e ficou invisível aos nossos olhos, e D. Antonio Microsoft ganhou sobrevida ,continua vivo se quiserem crer.

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Mensagem por Jonas Paulo Negreiros 4th junho 2023, 15:39

Oráculos na História, Ficção e Técnica ao longo dos séculos

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Mensagem por Jonas Paulo Negreiros 20th julho 2023, 22:44

A discrição de Alexa  Dom Quixote, Alexa e o Chat GPT 1f601 :


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Dom Quixote, Alexa e o Chat GPT Empty O ChatGPT é um grande plagiador do trabalho e criatividade humanas

Mensagem por Jonas Paulo Negreiros 27th julho 2023, 12:23



Já imaginaram se cada IA plagiar as outras Rolling Eyes ?

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